|
[O Mecânico fica parado, no mesmo lugar, imaginando
o que pode estar acontecendo. Pensa que o Professor quer apenas enganá-lo,
mas de vez em quando começa a ter ciúmes e a temer que seja
verdade. A luta interna se manifesta em seu rosto. O Mecânico ficará
visível, parado, pensando, até a cena seguinte.] |
|
[Enquanto isso, na outra metade do palco, passa-se
uma cena entre Anita e Rômulo. Ouve-se uma gravação
com suas vozes, com as falas abaixo, enquanto aparece a representação
muda do ritual de iniciação entre eles, em um palco vazio,
e ao mesmo tempo a projeção de imagens do mesmo ritual realizado
por eles ao ar livre, no campo. ] |
Anita |
Vamos, faça algo bonito. Quero aprender a fazer
o que você faz. |
Rômulo |
Você não pode fazer o que eu faço.
Pode fazer o que você faz. |
Anita |
Faça qualquer coisa, quero ver. |
Rômulo |
Está vendo isto? O que é? |
Anita |
É um tubo. |
Rômulo |
Não. é Uma montanha. Você não
vê corretamente. Tente de novo. |
Anita |
Agora você já disse, é uma montanha. |
Rômulo |
Mas você não viu isso. E já não
é mais, ou melhor, não é só isso. O que mais
é? |
Anita |
Não sei. Acho que é um bonito tubo enferrujado. |
Rômulo |
Não vê estas cascas? É o tronco de
uma árvore! |
Anita |
Sim, tem alguma semelhança. Mas para que serve
esta brincadeira? Qualquer resposta vale? |
Rômulo |
Claro que não. Isto não é um lago.
Mas é a sua coluna vertebral. |
Anita |
Já sei... isto é uma cobra! [apalpa
e sente o tubo] |
Rômulo |
Isso! Você já está entendendo! |
Anita |
Não, não estou entendendo... mas agora
me parece um peixe... essas são as escamas... um peixe que vai saltar
da água! |
Rômulo |
Exatamente! |
Anita |
É uma coisa incompreensível: é uma
montanha, é uma serpente, é uma árvore... |
Rômulo |
É o arado que fecunda a terra. Trate-o com carinho.
O mundo inteiro depende dele. |
Anita |
Como cuidar dele? |
Rômulo |
É preciso untá-lo com manteiga ou saliva,
e esfregá-lo bem. |
Anita |
E o que faremos com ele? |
Rômulo |
Agora que você o conhece, podemos fazer algo. Em
que posição ele deve ficar? |
Anita |
De pé, é claro. |
Rômulo |
Sim. Mas não na vertical. Inclinado para o Norte. |
Anita |
A base está ligada à terra... |
Rômulo |
No topo há o verde... |
Anita |
Acima há as nuvens, que cercam o cume! |
Rômulo |
Dentro, há o fogo sagrado, que brota de sua ponta. |
Anita |
Lindo! Lindo! |
Rômulo |
Tronco divino, seja-nos propício. |
|
[Continua a cena de Rômulo e Anita, que se beijam,
no prosseguimento do ritual, com projeção de imagens e vozes
gravadas.] |
Anita |
Quem é ele? |
Rômulo |
Este, a quem coloco no alto e adoro, é o Sol.
Veja como brilha. É de ouro vivo. [Uma roda ou engrenagem] |
Anita |
Sinto o calor de seus raios em mim... não posso
tocá-lo, ele me queimaria! |
Rômulo |
Ele a ferirá e matará se você se
aproximar dele de modo incorreto. Você deve se aproximar pela frente.
E adorá-lo, antes de tocá-lo. |
Anita |
Senhor, amigo, meu calor, fonte de meu fervor! Aqui estou
eu, e quero mergulhar em sua luz, e receber e sentir pulsar em mim sua
energia! Seja-me gentil, pois sei que pode destruir-me! |
Rômulo |
Os outros que o vêem podem não reconhecê-lo.
Vamos mostrar quem ele é. Vamos colocar seus raios, que fazem brotar
a erva dos campos. |
Anita |
Seus raios são feixes de trigo. |
Rômulo |
Seu brilho são as flores brancas que brotam de
sua face. |
Anita |
Ó Sol, meu deus, não há outro mais
belo! |
Rômulo |
Ele nos sorri, vê? Ele nos agradece nosso carinho.
Já o adoramos. Até logo, mestre e amigo! |
Anita |
Até logo, meu Senhor! |
|
[Em cena, Anita e Rômulo param de beijar-se.
Separam-se um pouco, dão-se as mãos, e caminham pelo palco,
amorosos. A projeção e a gravação terminaram.
Anita separa-se de Rômulo e examina as coisas que estão à
sua volta. Eles falam, em cena:] |
Anita |
Estou entendendo cada uma das peças... mas isso
são partes. E a máquina completa? Não podemos construir
a Grande Máquina? |
Rômulo |
A Máquina! Você quer montá-la? |
Anita |
Sim, queria. Gostaria de ver o conjunto, a unidade. |
Rômulo |
A máquina! Você quer montá-la! Há
quantos séculos esperei por este dia, o dia em que encontraria uma
companheira para a Grande Obra! A partir de agora, você terá
um novo nome: vai se chamar Iza. E este nome significará: "Aquela
que busca o Infinito". |
Iza |
Iza... eu me chamo Iza! |
Rômulo |
Estou aqui há tanto tempo, apenas para montar
a Grande Máquina... e só agora alguém me pede isso...
nós a montaremos, Iza. |
Iza |
Vamos reunir todas as peças! |
Rômulo |
Sim, vamos correndo. Hoje mesmo ela estará pronta! |
Iza |
Por que você ainda não a montou? |
Rômulo |
Não posso fazer isso sozinho. Duas pessoas precisam
morrer para montá-la. Uma só não poderia. |
Iza |
Então, vamos morrer? Mas eu quero viver! |
Rômulo |
Não tente entender e parar o movimento! Vamos! |
Iza |
Vamos! |
|
[Iza e Rômulo saem.] |
|
[Entra o Mecânico, pensativo e cansado; em um
canto, surgem Ana e Nelson; estão agachados.] |
Mecânico |
Já quase terminou a noite, e não os encontrei...
Parece que se evaporaram, ou passaram para uma outra dimensão. É
como se... sei lá o que está acontecendo... |
Ana |
[sussurrando] Mecânico! |
Nelson |
[sussurrando] Ouça! |
Ana |
Nós vimos os dois! |
Nelson |
Estavam no museu! |
Mecânico |
Mas como!? Passei por lá várias vezes!
Estavam escondidos? |
Ana |
Não. |
Nelson |
Sim. |
Ana |
Estavam lá. |
Nelson |
Junto ao saguão. |
Mecânico |
Lá no saguão do museu não há
lugar onde eles pudessem se ocultar. Eu os teria visto. |
Ana |
Eles não quiseram ser vistos por você. |
Nelson |
Estavam reunindo todas as peças da Grande Máquina. |
Ana |
Eles vão montá-la. |
Nelson |
Ou já montaram. |
Mecânico |
Se ela está lá, vou buscá-la. |
Ana |
Não vá. |
Nelson |
Asclépio está lá. |
Ana |
Ele os observa. |
Mecânico |
Anita não veio para casa, esta noite. Não
vou ficar esperando. Vou procurá-la. |
Ana |
Anita não existe mais. |
Nelson |
Mas quando ela morreu, nasceu Iza. |
Ana |
E em breve não terá mais nome. |
|
[Entra Asclépio, pensativo.] |
Asclépio |
Eu os vi, Mecânico. Estão no Museu. |
Mecânico |
E o que estão fazendo lá? Por que não
trouxe Anita? |
Asclépio |
Nem pensei nisso. Só fiquei observando. [pausa]
Estavam montando a Grande Máquina. |
Mecânico |
E o que me interessa isso? Você se esqueceu de
que estávamos procurando Anita para trazê-la de volta para
casa? |
Asclépio |
Ela certamente não viria, a não ser a força.
E isso eu não faria. |
Ana |
Ela não viria, a não ser a força. |
Nelson |
Mas isso Asclépio não faria. |
Ana |
Foi por isso que ele os viu. |
Mecânico |
Vou até lá. [O Mecânico sai.] |
Asclépio |
Que coisa estranha estavam fazendo... tudo loucura, mas
não consigo parar de pensar nisso, é como se houvesse um
sentido... |
Ana |
[do escuro] Havia um sentido. |
Nelson |
Faziam coisas estranhas. |
Asclépio |
Tratavam as peças com carinho, conversavam com
elas e as uniam de acordo com regras absurdas... pela semelhança
de gosto, de textura, de forma... |
Ana |
As peças estão vivas. |
Nelson |
Eles lhes deram almas. |
Asclépio |
Adicionaram flores, e depois começaram a colocar-se
no meio da própria montagem... prendiam peças ao corpo, e
entravam no mecanismo... |
Ana |
Eles fazem parte da máquina. |
Nelson |
É tudo uma só coisa. |
|
[Nelson e Ana somem.] |
|
[Aparecem Nelson e Ana.] |
Nelson |
Atravessaram a barreira. |
Mecânico |
Foram para o pântano! |
Ana |
A Grande Máquina desapareceu. |
Mecânico |
Foram-se! Anita enlouqueceu totalmente! |
Asclépio |
Não creio. Não, nenhum dos dois está
louco. Não são como nós, mas não são
loucos. |
|
[Entra Marta; o Mecânico não os ouve,
em sua dor.] |
Marta |
O que aconteceu com Anita? |
Asclépio |
Ela e Rômulo passaram a noite montando a Grande
Máquina. E montaram. Agora, atravessaram a fronteira. |
Marta |
Mas não devem estar longe. Não se pode
impedi-los? |
Asclépio |
Não. Não podemos alcançá-los,
Marta. Olhe, deixe-me tentar explicar. Acho que estou entendendo. Não
compreendo os detalhes, mas sei que eles estão mais corretos do
que nós todos. Veja, Marta, eles em um dia conseguiram o que eu
sempre desejei! Aquilo que eu julgava impossível, eles o fizeram.
Atingiram a perfeição e a beleza, e, por meio disso, a felicidade. |
Marta |
Mas como conseguiram isso? |
Asclépio |
É complicado demais, ou simples demais, para se
entender conceitualmente. Eles usaram as partes da mente e do corpo que
nunca pensei em utilizar. Usaram o inconsciente, as emoções,
as intuições. Usaram suas bocas, sua pele e cabelos. Usaram
tudo para montar a Máquina, e agora estão libertos. Rômulo
talvez já o fosse. Agora, Anita também está. Anita,
não. Foi Iza quem se libertou. |
Marta |
E o que é a Máquina? |
Asclépio |
Ela não tem importância, e não existe,
sem eles. Somente sua construção importa. E cada pessoa precisaria
descobrir como montá-la. |
Marta |
Você estava certo, então, sobre a finalidade
da Máquina? |
Asclépio |
Não, eu não a entendia corretamente. Agora
acho que a compreendo, mas posso dizer muito pouco. Ela serve para unir
ao universo, ela permite participar das energias e da grande evolução
cósmica. Ela destrói a estagnação, quebra as
barreiras e leva ao novo mundo. |
Mecânico |
Só o que sei é que estão longe.
Seguiram seu sonho, e ultrapassaram a fronteira. Talvez estejam mortos.
Ou enlouqueceram, agora. |
Marta |
Você não acredita nisso. Finge acreditar,
mas não crê. Você pensa que estão loucos, desde
o início. |
Mecânico |
Talvez. Mas se eles voltassem eu tentaria entendê-los. |
Marta |
Entendê-los como Asclépio? |
Mecânico |
Talvez. [pausa] Ou talvez como Yuri. |
Marta |
Yuri? |
Yuri |
Sim. Este é o meu nome. |
Asclépio |
"Se eles voltassem..." Para que pensar nisso? Tivemos
uma oportunidade, e não aprendemos tudo o que podíamos. |
Marta |
Eles voltarão. Eu sei. |
Asclépio |
É bom sonhar. |
Marta |
Um dia, eu gritarei: "Eles voltaram, Asclépio!" |
|
[Entram os três Jograis] |
Jograis |
Eles voltaram, Asclépio! |
Asclépio |
Quando? Onde estão? |
Jogral 1 |
Rômulo e Iza. |
Jogral 2 |
Chegaram à aldeia. |
Marta |
Como estão eles? |
Jogral 1 |
Felizes. |
Jogral 3 |
Poderiam estar diferentes? |
Jogral 2 |
Penduraram à janela do Mestre uma linda pedra,
envolta em cipós e flores vermelhas. |
Jogral 3 |
Eles trazem notícias do outro mundo. |
Asclépio |
O que dizem eles de lá? |
Jogral 1 |
Dizem que não existe. |
Jogral 2 |
Que todo o universo está aqui. |
Jogral 3 |
Que não há pântano a atravessar. |
Yuri |
Isso não é possível. E todos os
loucos que já vieram até aqui? |
Jogral 1 |
Rômulo diz que não são loucos. |
Jogral 2 |
E que jamais vieram de lugar algum. |
Jogral 3 |
E, de fato, eles são como nós. |
Yuri |
Mas onde estão eles? Quero vê-los, quero
ver como está Anita. |
Jogral 1 |
Anita morreu. |
Jogral 2 |
Esqueça-se dela. |
Yuri |
Quero entendê-los. Quero que me guiem e me mostrem
o seu mundo. |
Jogral 1 |
Podemos levá-lo. |
Jogral 2 |
Mas eles não guiarão. |
Jogral 3 |
Certamente que não. |
Yuri |
Serão capazes de me desprezar, assim? Olhem, é
preciso dizer-lhes que só desejo aprender, que nada de mau tenho
contra eles. |
Jogral 1 |
Podemos dizer-lhes. |
Jogral 2 |
Mas eles nada ensinarão. |
Jogral 3 |
Certamente que não. |
Yuri |
Terei me enganado com eles? Como podem deixar de aceitar-me?
Digam-me, eles têm raiva de mim? |
Jogral 1 |
Não, eles não tem. |
Jogral 2 |
Eles gostam de você. |
Jogral 3 |
Ficarão felizes por vê-lo. |
Yuri |
Então, por que não poderão me dar
a felicidade, se eles a atingiram? Por que não me guiam, por que
não me ensinam a ser como eles? |
|
[Entram Iza e Rômulo.] |
Rômulo |
Se não existe um guia, como pode haver alguém
guiado? |
Iza |
Se não há o que aprender, como poderíamos
ensinar? |
Rômulo |
Nós nada temos, a não ser amor. |
Iza |
Dê-me um abraço. Nada mais nos peça.
[Abraça Yuri.] |
Rômulo |
Você de nada precisa. |
Asclépio |
É bom vê-los de volta. Somente agora entendi
o que vocês fizeram. |
Iza |
E o que fizemos? |
Asclépio |
Não adianta explicar. Se eu tentar, vocês
vão me deixar confuso, e dizer que não é. Mas não
é preciso explicar. Está tudo certo. Vocês montaram
a Grande Máquina. |
Marta |
Onde está ela? |
Rômulo |
Aquela? Aquela não interessa mais. |
Marta |
Onde vocês a deixaram? |
Rômulo |
Ela está aqui. |
Iza |
Há outras a montar. A aldeia está cheia
de coisas e de pessoas desconexas. |
Rômulo |
Não há um fim, no tempo. |
Iza |
A montagem deve prosseguir, sempre nova, a cada instante,
com novas pessoas e novas peças. |
Rômulo |
Vi sempre-vivas perto do chiqueiro. E uma linda garrafa
quebrada ali fora. |
|
[Saem os Jograis, Rômulo, Iza. Vão
para a saída do teatro, onde ficarão "brincando" com flores,
peças, etc. Yuri pensa um pouco, depois os segue.] |
|
[Marta e Asclépio estão em cena. Silêncio.
] |
Marta |
Por que não vai junto? |
Asclépio |
Estou pensando. |
Marta |
Mas você sabe que não basta pensar. |
Asclépio |
Eu sei. Mas estou pensando. |
Marta |
Você não quer aprender com eles? |
Asclépio |
Sim. Quero. |
Marta |
Não quer. Não pode. |
Asclépio |
Eu quero. |
Marta |
Não. Não é capaz. Não adianta. |
Asclépio |
Por que não? |
Marta |
Porque você os entendeu. Segui-los, agora, não
seria uma loucura. Seria jogar com cartas marcadas. |
Asclépio |
Sim. Eu compreenderia o que ocorresse. Mas ficaria de
fora. |
Marta |
Isso não seria honesto. |
Asclépio |
Isso não funcionaria. Isso... sei lá. De
fato, não posso ir com eles. Para isso, precisaria entrar em sua
loucura, e não consigo. Só consigo entendê-los e admirá-los. |
Marta |
Sim. Eu também não posso ir. |
Asclépio |
Você é minha irmã. É como
eu. |
Marta |
Sim. Pensamos do mesmo modo. Não daria certo. |
Asclépio |
Mas muita gente pode ir. |
Marta |
Sim. Muitos dos que estão aqui. Podemos pelo menos
mostrar-lhes isso. Também é um papel bonito, não é? |
Asclépio |
[Dirigindo-se ao público:] Vocês
todos, o que estão fazendo aí? |
Marta |
Amigos, vocês estão no lugar errado. O lugar
certo é lá fora. |
Asclépio |
Iza e Rômulo estão lá na saída
do teatro, brincando. |
Marta |
Quem quiser, pode ir ter com eles, e brincar com eles.
Verdade, qualquer um pode. |
Asclépio |
Não é verdade. Olhem: não é
qualquer um que pode ficar com eles. |
Marta |
É preciso julgá-los loucos. É preciso
duvidar do que eles fazem. É preciso não ter entendido o
que Asclépio disse. |
Asclépio |
É preciso não acreditar que essa brincadeira
vai levá-los a coisa alguma. |
Marta |
E, no entanto, é preciso achar linda essa loucura. |
Asclépio |
E mergulhar nela, de corpo e alma. |
Marta |
Todos os que puderem, vão embora, por favor. |
|
[Acendem-se as luzes da platéia.] |
Asclépio |
Só fiquem os que concordarem comigo. Os que concordam
que deveriam ir embora, mas não podem fazê-lo. |
Marta |
Só fiquem aqui os que são incapazes de
brincar. |
Asclépio |
Como nós. |
Marta |
Como nós. [grande pausa] E esse pessoa?
e nós? |
Asclépio |
O caminho de Rômulo nos está vedado. |
Marta |
Existe outro? |
Asclépio |
Tão direto quanto este, não. |
Marta |
Existe outro? [pausa] |
Asclépio |
Acho que não. Mas de qualquer forma, podemos ajudá-los,
falar sobre eles, conseguir levar a eles mais pessoas. |
Marta |
Se você não os entendesse... |
Asclépio |
Não é possível seguir esse caminho,
se ele é compreendido e reduzido à razão. |
Marta |
Se houvesse outro caminho, absurdo... |
Asclépio |
Só a fé no absurdo pode levar à
libertação. |
Marta |
[alegrando-se] Há alguém que podemos
seguir. |
Asclépio |
Quem? |
Marta |
Uma pessoa em quem não confiamos. Cujas idéias
e métodos são absurdos, e a nada podem levar. |
Asclépio |
Há muitos assim. Mas nós não seremos
capazes de ir atrás deles, porque somos racionalistas. Você
seguiria o Mestre, por exemplo? |
Marta |
Não. Mas há pelo menos um que conseguiríamos
seguir. |
Asclépio |
Duvido. |
Marta |
É Asclépio. |
Asclépio |
Eu? Como posso seguir-me a mim próprio? |
Marta |
Você pode. E deve. |
Asclépio |
Não sei se estou entendendo... [começa
a alegrar-se] |
Marta |
Nem eu. Mas veja que idéia estranha me ocorreu:
nós sabemos que você tem sido um perfeito idiota, e a nossa
situação atual, incapazes de seguir Rômulo, é
a melhor prova disso. |
Asclépio |
De acordo. |
Marta |
Nós chegamos à conclusão de que
o raciocínio não é o caminho da felicidade. |
Asclépio |
Concordo. |
Marta |
Então, não adianta continuar a fazer o
que você sempre fazia. |
Asclépio |
Exatamente! |
Marta |
E por isto queremos mudar. Vamos fazer algo absurdo,
ao invés de sermos racionais. E o absurdo que vamos fazer será
o de sermos racionais até as últimas conseqüências! |
Asclépio |
E isso não pode levar a coisa alguma! [abraçam-se.] |
Marta |
Não é lindo, isto? Não é
este o nosso caminho? |
Asclépio |
É muito bonito... e é a única saída. |
Marta |
Errado. Não temos saída alguma. Estamos
perdidos. |
Asclépio |
Então, mergulhemos de cabeça nisso! |
Marta |
De corpo e alma! |
Asclépio |
Vamos até o fundo dessa coisa sem fundo. Vamos
desenvolver em nós o raciocínio, a inteligência, e
ajudar os outros a fazerem o mesmo, embora sabendo que isso não
conduz à felicidade. |
Marta |
Sim. E como seria absurdo que isso levasse à felicidade,
é claro que conduzirá. |
Asclépio |
É claro. E como é claro, não dará
certo. |
Marta |
[Para o público:] Pessoal! A peça
terminou. |
Asclépio |
Não vamos mais representar. Terminou o espetáculo.
Chega de teatro. Agora, a gente tem mais coisas para fazer. |
Marta |
Pode ser que alguns de vocês tenham achado uma
piração muito louca essa nossa conversa final. |
Asclépio |
Quem quiser participar dessa piração, fique
aqui para conversar conosco. Os outros podem sair. |
Marta |
Fique quem, sem entender bem, queira seguir conosco esse
sonho. |
Asclépio |
Só fique aqui, agora, quem quiser participar,
conosco, da construção da Grande Máquina. |
|
[Aparece um cartaz: "Reunião do grupo de estudos
da Grande Máquina: aqui, agora". Marta, Asclépio e outros
fazem uma reunião com os interessados, enquanto Rômulo, Iza,
Yuri, Ana e Nelson brincam com os que quiserem segui-los, em qualquer lugar.] |