A Grande Máquina
Histórico da criação da peça
                Roberto A. Martins

O APARTAMENTO DA RUA GENERAL CARNEIRO

Tudo começou em meados de 1976. Eu havia me mudado há pouco tempo de Londrina para Curitiba. Naquela época, estava iniciando minha curta etapa como professor de física e filosofia da Universidade Federal do Paraná. Morava em um apartamento na rua General Carneiro, juntamente com Maria Luiza e seu irmão José Francisco Quaresma, que haviam trabalhado comigo em um grupo de teatro amador no norte do Paraná. Minha vida estava dirigida principalmente por uma busca espiritual, na qual se encaixava de forma natural o trabalho de teatro.

O apartamento da rua General Carneiro serviu durante alguns anos como um pólo de efervescência cultural. Os moradores variavam, mas todos eram ligados ao teatro ou a outras atividades artísticas. Era um local de reunião aberto, onde havia continuamente visitantes, participando de conversas e planejando trabalhos conjuntos. Eu era oficialmente o "chefe" do apartamento (era o responsável pelo mesmo, junto à imobiliária), mas na verdade não tinha muito controle sobre o que acontecia lá – participava e presenciava uma ebulição contínua, viva.

O GRUPO DE ESTUDOS LIVRES

Na Universidade, logo estabeleci contato com um grupo muito interessante de professores, dentre os quais se destacavam César Cusatis (físico), César Augusto Ramos (filósofo) e Maria do Carmo de Albuquerque (matemática), que se preocupavam com alternativas para os caminhos tradicionais do ensino e que se reuniam para discutir esses assuntos. Uni-me a esse conjunto, que pouco depois adquiriu o nome de "Grupo de Estudos Livres", porém conhecido popularmente como "o pessoal da anti-universidade".

Uma das críticas centrais do Grupo de Estudos Livres à universidade era que essa instituição tinha se tornado um lugar onde havia um ensino "morto", formal, que cumpria apenas a finalidade de produzir títulos e fornecer empregos. Os alunos não tinham interesse em aprender e em se desenvolver, e os professores não tinham interesse em ensinar e se aperfeiçoar. A antítese seria uma comunidade de estudos, em que cada pessoa se dedicasse livremente de forma intensa àquilo que realmente o interessasse, com a colaboração de colegas e professores, mas sem visar nenhum título. Tal atividade não seria voltada apenas para o aperfeiçoamento intelectual da pessoa, mas para um desenvolvimento não fragmentado, pleno, do ser humano.

E foi discutindo sobre a sociedade, sobre o homem e seus valores, que em uma das reuniões do Grupo de Estudos Livres, em setembro de 1976, surgiu a idéia de desenvolver um trabalho de teatro. Até esse instante, o GEL era formado apenas por pessoas ligadas à Universidade, mas logo convidamos diversas pessoas ligadas à área teatral – todos de teatro amador – para colaborar: Quaresma, Siba, Cleuza, Juba, Josina, Dario... e posteriormente uma das pessoas mais importantes para o desenvolvimento da Grande Máquina: Laerte Ortega.

A PROPOSTA DO GRUPO

Logo de início foram fixadas algumas bases para o trabalho: não se desejava apenas "montar uma peça", e sim realizar todo um trabalho de autoconhecimento grupal, de estudo, de desenvolvimento individual e coletivo, dentro dos moldes de uma interação profunda e aberta a todo tipo de novidades – sendo ao mesmo tempo crítica. Todo este trabalho de restruturação dos membros do grupo não deveria ser um fim por si próprio, nem representar um fechamento em relação às outras pessoas. Dessa atividade deveria resultar algo a ser lançado para fora, uma obra que espelhasse o caminhar do grupo e que servisse para levar a outras pessoas aquilo que se julgasse mais importante, de tudo o que se tivesse obtido.

Começamos um trabalho de laboratório, em que as pessoas que nunca tinham participado de teatro começavam a adquirir algumas vivências, ao mesmo tempo em que iniciávamos a criação de idéias para um futuro texto.

Na primeira fase do trabalho, os membros do grupo discutiram sobre si próprios, suas vidas, seus valores, seu posicionamento frente à sociedade. Por trás de tudo o que era considerado inválido pelo grupo, acabou-se por encontrar algo de constante: uma coisa que pode ser chamada de "fragmentação". Sob a angústia humana, víamos sua fragmentação interna que divide o indivíduo uno em vários pedaços: os compartimentos estanques de nosso dia-a-dia – a família e o trabalho ou estudo são vidas distintas e sem qualquer relação; entre os objetivos mais altos do indivíduo e sua realidade vital há abismos que não são transpostos; as pessoas possuem títulos e cargos, mas não os desempenham honestamente. Víamos que essas e muitas outras rupturas do homem e da sociedade geram as eternas lutas, em que o homem se debate cegamente e apenas termina de conseguir eliminar uma fragmentação para descobrir que criou outra.

Qual a saída? O grupo acreditava que um estado mais elevado seria algo unificado, não fragmentado. Mas o que seria exatamente um homem integrado, uma sociedade sem rupturas? Durante muito tempo, o grupo lutou por exemplos. Na verdade, o estado não fragmentado não podia ser explicado claramente; podia ser intuído e mostrado em situações concretas. Era algo que ultrapassava nossas concepções cotidianas, um símbolo de algo desconhecido, algo que, analisado friamente, do ponto de vista do "bom senso", era loucura e absurdo.

Desejávamos criar uma peça que mostrasse o estado atual de fragmentação do homem e do mundo, mas também a luta para ultrapassar esse estado e atingir a integração. A proposta retomava alguns dos grandes temas universais, como a busca de um estado de felicidade e consciência superiores, a luta pela auto-superação, a discussão do verdadeiro objetivo da sociedade, um reposicionamento em relação a tudo o que nos cerca. A peça deveria passar por três fases. A primeira ilustraria o "absurdo do bom-senso": chamaria a atenção das pessoas para o estado fragmentário com que já estamos acostumados e que faz parte de nossas vidas. A segunda parte da peça mostraria a crítica e a rejeição a tudo isto – uma explosão e um abandono de todos os valores comuns. E a terceira fase ilustraria a reconstrução do homem após esse vazio.

Após várias sugestões, escolhemos centralizar a história na construção de uma grande máquina. O que é essa máquina? Nada de definido. Os próprios personagens da peça não sabem o que ela é. E não interessa dar uma interpretação única. Ela é aquilo que for o objetivo mais elevado, para cada um.

A história se desenrola em uma aldeia praticamente isolada do restante do universo: um microcosmo caricatural, onde chegam certo dia duas pessoas carregando três caixas contendo peças para a construção de uma máquina. Os aldeões não sabem como construi-la, nem mesmo conhecem sua utilidade, mas começam a tentar colocá-la em funcionamento. A máquina interfere em toda a vida da aldeia, influindo nos problemas particulares de cada um, despertando anseios, revelando os valores de cada pessoa. A tentativa de montar a Grande Máquina mobiliza toda a aldeia, leva à criação de novas instituições, e muda tudo – conseguindo, no entanto, não modificar nada de fundamental nas pessoas e na sociedade. Somente após a ruptura com a sociedade e suas convenções, ultrapassando a própria razão e a ciência, é que surgirá a solução.

COMO O TEXTO SURGIU

Estávamos elaborando as idéias da peça quando surgiram problemas. Vivíamos uma época de ditadura militar, e a própria Universidade Federal do Paraná era um centro bastante tradicionalista. Começou a haver uma certa reação contra o Grupo. Paralelamente, por outros motivos, tive problemas no departamento de física em que lecionava, e fui acusado de subversivo em um abaixo-assinado de meus colegas, que pediam minha exclusão da Universidade. Foram encaminhados documentos secretos à Reitoria, indicando entre as "graves acusações" contra mim o fato de viver com pessoas de teatro. Temendo que a situação pudesse se radicalizar (como ocorreu de fato, depois, com a prisão de dois amigos pela Polícia Federal, para servir de advertência), pedi aos amigos que moravam comigo que se mudassem para outros lugares, e as reuniões do Grupo foram interrompidas durante alguns meses. Isso ocorreu no princípio de 1977.

Foi um período de grandes dificuldades pessoais, para mim. Vivia em um ambiente digno das histórias de Kafka. Os amigos me deram o apoio fundamental para atravessar essa fase. Um dia, no início de junho, alguém me levou um disco de Astor Piazzolla, que tinha a música "Balada para un loco". A letra me abalou. No dia seguinte, escutei a música, sozinho, muitas e muitas vezes. O contraste entre o mundo absurdo que via à minha volta e o mundo louco mas livre e lindo descrito na canção desencadeou o processo. A peça teatral deveria ser um hino à loucura. Lembrei-me de dois amigos – Iza e Rômulo – que sete anos antes haviam tentado viver seus mundos de beleza, e cujas famílias os haviam internado em hospícios. Dessas lembranças surgiram dois dos personagens do texto.

As imagens e frases foram surgindo como uma avalanche, e tudo se encaixava com aquilo que havia sido discutido no Grupo. O primeiro trecho a ser escrito foi o monólogo do professor Asclépio, no segundo ato. Esse era o personagem principal, que tinha muito de mim mesmo. Uma pessoa que me conhecia muito bem perguntou-me, logo após a estréia da peça: "E você não tem receio de apresentar a sua própria vida no palco?"

Algumas partes da peça foram escritas tendo em vista certos membros do grupo. O papel de Anita foi escrito para Adélia, e o sonho de Anita, no terceiro ato, que desencadeia todas as mudanças, foi baseado em um conto que Adélia havia escrito. Trabalhei vários dias escrevendo, agitado por fortíssimas emoções, parando para dormir às vezes para aliviar a dor de cabeça contínua que me invadiu. Após uma semana, no dia 13 de junho de 1977, o texto estava pronto.

A MONTAGEM

Depois que o texto estava escrito, o antigo grupo foi reunido, mas algumas pessoas já não estavam dispostas a prosseguir com o trabalho. Foram agregados novos participantes.

Antes de se pensar em fazer uma montagem teatral do texto, foi feito um profundo trabalho com o próprio grupo, que serviu como uma micro-sociedade em que eram observados e discutidos os processos descritos na peça. O grupo percebeu e tentou superar dentro de si próprio o estado de fragmentação, pois apenas assim faria sentido tentar transmitir a mensagem do texto.

O texto foi trabalhado e vivenciado através de muitos exercícios de laboratório e depois a montagem foi sendo gradualmente estruturada, sob forma de trabalho coletivo. Exercícios baseados nas situações da peça; trabalho de expressão corporal, dicção e interpretação; estudos de cenário, figurinos; estruturação das cenas. De início, não havia personagens fixos: a fase inicial da montagem utilizava um rodízio, no qual todos interpretavam e improvisavam sobre todos os papéis. Após cada exercício, todos discutiam os resultados. Não existia o "senhor diretor".

Por fim, os papéis foram distribuídos, memorizados, estudados, e o grupo passou à montagem da peça, no sentido mais estrito da palavra.

Os atores que participaram da montagem final foram: Adélia Ribeiro (personagem Anita-Iza), Amilton Baggio (Nelson), Aparecida Conceição Damásio (Banqueiro / jogral / louca), Cristina Marturano (Marta), Eduardo Tadeu de Souza (Rômulo / jogral), Laerte Ortega (Professor Asclépio), Marinês Balestrin (Ana), Rogério Fagundes Filho (Mecânico-Yuri / jogral) e Roberto Martins (Mestre / jogral / louco). Ajudaram também no trabalho: Henrique Aragão (cenário), Severino Semprebom (iluminação e produção), Beatriz Luna Pedrosa (colaborou na direção).

A marcação foi criada coletivamente, como quase todas as outras coisas. O grupo informal se transformou no Grupo Mandala. O nome do grupo representa certos diagramas de origem oriental, compostos por uma estrutura básica de círculos e quadrados concêntricos, além de outros elementos. As mandalas são símbolos de unificação e integração. Seu papel psicológico foi inicialmente estudado, no ocidente, pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung.

A peça teve sua estréia em dezembro de 1977, no auditório do Centro de Criatividade de Curitiba, onde todos os ensaios haviam sido realizados. Posteriormente, foi apresentada em Londrina (Teatro Universitário), em Florianópolis, em Porto Alegre (Auditório da Assembléia Legislativa), em São Paulo (Teatro de Arena) e novamente em Curitiba (Teatro Guaíra).

Uma parte do resultado foi uma peça teatral, que podia ser assistida por todos. Outra parte do resultado, invisível ao público, foi a modificação dos membros do próprio grupo.
 

[ver: A influência do Teatro no ator]

ESTRUTURA DA PEÇA

A peça tem três momentos distintos, correspondentes a três situações existenciais no trajeto de evolução das pessoas e do pequeno mundo que descreve. Cada um desses momentos utiliza recursos cênicos distintos.

O primeiro é um teatro de tipo tradicional, em que o público simplesmente assiste ao desenvolvimento da história, distanciado dos personagens, sem sequer uma empatia interna, pois percebe o absurdo do trabalho da aldeia, e todo o ridículo da vida e dos valores da pequena aldeia cercada por pântanos. Os personagens utilizam uma linguagem antiquada e estão totalmente fragmentados.

O segundo momento da peça surge quando o trabalho de construção da Grande Máquina assume proporções gigantescas, envolvendo todas as pessoas da aldeia, gerando a criação de instituições monstruosas, como uma universidade e uma academia filosófica. A estrutura acaba por se desviar de sua finalidade primitiva, tudo termina por ruir, e o organizador de todo o trabalho, o professor Asclépio, abandona o trabalho, volta-se contra a sociedade que o cerca, criticando-a amargamente. Aqui, toda a problemática é transferida e jogada contra o próprio público, utilizando-se recursos de envolvimento dramático e de agressão direta. O espectador é carregado e esmagado na ação que nessa fase leva a um aniquilamento de todos os valores.

O terceiro momento é o surgimento de uma situação totalmente nova, que brota inesperadamente do caos total a que se havia chegado, como uma flor de um monte de lixo. É o momento em que a razão é superada e algumas pessoas, guiando-se por sonhos e visões, retornam às peças quebradas e enferrujadas da Grande Máquina, e a colocam em funcionamento. Após ter atingido, no seu segundo momento, um nível pessimista e totalmente negativo, a ação se transforma em um mito vivido por dois "loucos" que abandonam todas as regras e se lançam à construção do novo modo de viver e do novo mundo. A linguagem deste final é paradoxal, poética e estranha, totalmente diferente das anteriores, pois é uma outra a realidade que se quer mostrar. Aqui, o público é carregado às nuvens, após ter sido lançado aos mais profundos abismos. Tese, antítese, síntese: esta é a estrutura da peça.

O andamento dialético do espetáculo, utilizando diferentes linguagens literárias e cênicas, era totalmente novo, e embora pudesse aparentemente "quebrar" a peça e tirar-lhe a unidade, o recurso foi utilizado com bons resultados, proporcionando um clima cuja intensidade e poder crescem do início ao fim, obtendo-se uma boa continuidade. O espetáculo foi estruturado para envolver o espectador e levá-lo através de todas as etapas, constrangendo-o a passar e aceitar cada uma das fases, como a demonstração de um teorema matemático.

A mensagem é de otimismo, mas não um otimismo cego ao que nos cerca. "A Grande Máquina" mostra uma esperança de saída da fragmentação em que estamos envolvidos, não pela mágica ou pela providência divina, mas pelo esforço do homem para ultrapassar seus limites e lançar-se, com o risco da própria vida, na construção de seu mais alto ideal.

LAERTE E O PAPEL DO PROFESSOR ASCLÉPIO

O papel do professor Asclépio era o mais complexo da peça. Tratava-se de uma pessoa com grandes limitações, mas com enorme energia e vontade de atingir aquilo que lhe parecia o melhor possível. Durante o desenrolar da trama, ele percebe que estava no caminho errado, por seu excessivo racionalismo, mas ao mesmo tempo não consegue dar um salto e tornar-se "louco", como outros personagens. Ele entende a beleza da loucura que se manifesta no desenrolar da peça, mas percebe que ele próprio só pode ser quem ele é. Assumindo suas limitações, ele percebe que está fazendo algo absurdo, e que continuar a faze-lo é uma loucura, e então continua a ser como era antes, mas consciente daquilo que está acontecendo.

Foi este o papel com o qual Laerte Ortega se identificou e que interpretou. Eis como se deu essa identificação:

Depois de ler o texto, Laerte comentou comigo, um pouco envergonhado, que havia chorado muito ao ler uma parte – o monólogo do professor Asclépio, no segundo ato. É um momento, na peça, em que o professor é abandonado por todos os seus companheiros, e percebe que não vai conseguir construir a Grande Máquina:

"Professor – Um é desviado por interesses mais palpáveis: pela família. Outro é derrubado pelo esforço e engolido pelo dragão do desânimo. O terceiro escapa para uma solução individualista: vai ser advogado. Se não são esses os motivos, serão outros, e pouco importa. Todos se vão. [pausa] Esta não é a primeira vez que isso me acontece. Em outros tempos, foram outras pessoas, situações diferentes. Mas dá tudo no mesmo. O mundo é monótono. [pausa] De uma vez, queríamos fazer um jardim – mas não uma pequeno recanto, e sim cobrir essa montanha inteira com sombras, com verdes, com flores. [pausa] De outra vez, íamos conseguir distribuir em um só dia pirulitos de apito a todas as crianças da aldeia, e à noite fazer dançarem ciranda todos os adultos, a noite inteira, todos eles dançando, de tal forma que ninguém tivesse vergonha, nem pudesse no dia seguinte esquecer-se ou fingir que se esquecera de tudo. Nem houvesse mais jeito de voltar atrás e destruir o passado, pois lá estariam os palitos dos pirulitos, e as solas gastas dos sapatos, e as marcas da dança no chão. E então, todas as semanas, seria repetida a festa dos pirulitos. Outra vez iríamos construir uma jangada, com troncos de palmeira e latões vazios de óleo, e atravessar toda a costa do continente, comendo o peixe que arrancássemos do mar e o arroz que plantaríamos no mastro, e que serviria também de vela. Contaríamos histórias de serpentes e de fadas, em todos os portos onde parássemos, houvesse ou não gente a escutar. [pausa] De todas as vezes, fiquei sozinho. E para que eu construiria um lindo bosque na montanha, sozinho, se depois teria que inundá-lo de lágrimas, em minha solidão? Para que fazer bailarem as pessoas, se eu não estivesse com elas? Para que enfrentar o mar escuro e atravessar a grande água, se nela ou fora dela não encontrasse companheiros? Agora, mais uma vez, o sonho se cansou." Este foi o trecho que mais emocionou Laerte. Um Quixote havia se identificado com o outro. Contei-lhe que esse fora o primeiro texto a ser escrito de toda a peça, enquanto escutava a "Balada para un loco".

A estrutura da peça exigia que, em certos momentos, Asclépio fosse visto pela platéia como um personagem ridículo – uma projeção caricatural da estupidez dos intelectuais. Em outros momentos, o público deveria aceitá-lo, compreendendo suas dimensões humanas e seu sofrimento. No terceiro ato, Asclépio é um cínico agressivo, que não vê mais valores positivos em nada. Ao final, Asclépio deveria se tornar estranho e mágico, nem familiar nem ridículo, ao assumir uma dimensão quase incompreensível. Laerte compreendeu o desafio, e através de um enorme esforço de introjeção do personagem, conseguiu mostrar ao público um excelente Asclépio.

Por ocasião da temporada do Teatro Guaíra, o trabalho de Laerte foi muito elogiado, e chegou-se a cogitar que ele poderia ser escolhido para um prêmio que existia na época (não me lembro qual). Porém, depois, verificou-se que o regulamento do prêmio impossibilitava isso, pois só podiam ser contemplados grupos de teatro profissionais, e o Grupo Mandala era registrado como amador.


FOLHETO DA PEÇA – TEXTO DIRIGIDO AO PÚBLICO

Esta peça foi escrita e produzida para ser apresentada em um teatro comum, como este, a um público comum de teatro, como você. Supomos que você é uma pessoa de nível cultural acima da média, talvez de nível universitário (5% da população brasileira). Que tem grandes idéias sobre o que devem ser o homem e a sociedade; que fala, ouve e lê sobre essas coisas; e que no entanto é, durante quase todo o tempo, manipulado pelos esquemas dessa sociedade. É uma pessoa fragmentada, em que as idéias e a vida não coincidem; onde a família e o trabalho são compartimentos estanques; onde o meio e os fins são distintos. É apenas uma peça da estrutura, mesmo que não concorde com ela.

Em grande parte, nós também somos assim, e somos usados pelo sistema. Mas não estamos parados: entramos em uma mutação contínua, uma luta ininterrupta, para nos libertarmos e obtermos a integração. Para um novo resultado, é necessário um novo método; e um aspecto necessário desse caminho é a arte. Não a arte como recreação, mas como vida e envolvimento. E é necessário que você também seja envolvido nesse processo, pois vivemos com você.

Queremos chamá-lo para nosso lado. Se, para isto, for necessário criticá-lo, vamos criticar. Não para que nos separemos, mas para que você passe pelo que passamos e chegue ao mesmo ponto.

Sabemos que você também gostaria de construir a Grande Máquina. Nós achamos que isso é possível e apresentamos nossa opinião sobre um caminho viável. Não é o único, mas acreditamos nele. Se quiser percorrê-lo conosco, nós o convidamos a unir-se a nós.


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